sexta-feira, 9 de novembro de 2018


a rua não é só de se passar
é rua de estar, de jantar
e até de dormir, eu assumo
a rua com suas portas pra outros mundos
alinhadas, proibidas, permitidas
são suas muitas entradas pelos fundos

ruas cheias de tudo, um resumo
há quem dê um significado mais profundo
cidadãos, transeuntes, motoristas
a outros lhes chamam somente vagabundos


o tempo e o velho

...num pedacito de tempo cada vez mais curto
sou paralisado entre o passado e o futuro
mesmo assim, nada pode ser mais coerente
sou preso do lado de fora
...do andamento das horas
onde é esmagado mais que um alfinete
desaparecendo infinitamente
até mesmo ...o Agora

hoje entendo que se o presente...
é menos que o instante, ele já é passado
não serve pra nada não
se não se pode ter nas mãos sem quebrá-lo
por isso eu lhe dou a chance de um dia
em que durem minhas horas de vigília
quando se inicia certeiro mais um outro percurso
do sol ao redor dos ponteiros dum relógio de pulso

em compasso com minha pulsação
impulsionada pelo espaço do tempo
a minha percepção vem a termo
numa viagem da reflexão
frente à fogueira, como quem pensa
na revolucionária dedução da Existência


a cidade só pode ser melhor ou pior do que si
a dignidade não vai se recuperar com um poema
mas eu confesso... as frases mil vezes escritas
com palavras repetidas que espalho por aí
que cada ode à cidade é sempre a mesma
com uma dose de ódio àquelas ruas desertas
e um desejo quase inconsciente de uma cidade infinita
meu desdém ardente pela vasta urbanóide em oferta
pra na minha utopia desenhar o desenho
com milhões de toneladas de concreto e vidro
e aí pré-destinar os encontros alheios
do jeito “improvável” que vão haver sido

terça-feira, 16 de outubro de 2018


quando os dias pegam gosto de papel
olha acima do horizonte,
mas de verdade, e abre teu olhar
e vais poder de repente sair do chão

a Via-Láctea é a cordilheira do céu
são as estalactites da noite
(quando ela fecha a fresta de luz do luar)
tocando os edifícios em noite de apagão

eu talvez não reconheça de longe um avião ou Saturno
mal e mal os contornos galácticos no fundão noturno
mesmo assim eu sei que estão por lá
e é isto que pode às vezes sublimar





milonga do velho

eu gosto de tomar um chimarrão
enquanto eu uso o tempo pra pensar
na decisão mais certa pra tomar

vou ajeitando a erva com a mão
uma cisma nova me faz ver
que o pior tempo pra perder
é atrasar o próprio coração
e achar que era melhor a escravidão,
que não era torpe a ditadura
– desmando de tanto “patrão” –
e engolir quanta mentira pura!

nisso, eu olho a chuva na janela
vejo o clarão, escuito o trovão
há tempos que eu já tava à espera
dessa muy franca Revelação





sete cidades

Quero compreender quantos pedaços
tem este panorama desmontado
com meus sapatos, meu cansaço
até seu último passo

Já ouvi dizer que são sete círculos
como qualquer inferno que arde
onde os metros são mais quadrados
feitos de tantos mais cubículos

Costumo contar em sete léguas
as distâncias maiores que a vontade
mas quero ouvir a voz de um século
congelada no concreto da cidade
andando por onde vá seu chão
– sem ver se é meu ou dela o tédio –
de máscara contra a poluição
intoxicante das ondas de rádio
vazando incessantes pelas cloacas
e latrinas eletro-eletrônicas

e com sorte escutar o murmúrio
de um córrego enterrado
a sete palmos de asfalto

ou talvez um grito em sussurro
de alguém encerrado
a sete andares lá no alto

domingo, 1 de outubro de 2017

a aldeia tem uma doença grave
de quem ignora ou comemora
no meio da sala um cadáver
mas acusam de  bandido quem chora
pelo brado de um covarde com um revólver
que retumba chumbo na carne suave
de um país velho sem História

como se desorientássemos uma nave
é louco quem na nau dos loucos mora
e talvez a boa metade que se salve
chore mares por sua louca vitória
mares que tantos fantasmas devolvem
corpos e pensamentos instáveis
...todos tão mortos de memórias