terça-feira, 30 de novembro de 2021

sou errante
sacola plástica bailando ao vento
delirante
lúcido em errados momentos

eu sou feito de espinhos
assim eu sou minha prisão
posso ser o seu vinho
mas não lhe posso ser o pão

eu fecho os caminhos que eu abro sozinho
sozinho

sou retórica
de alguém que não se aguenta
hipócrita
hipoclorito em água benta

faça o que eu digo, o resto é piada
escolhas eradas: fiz uma de cada
não é lei amigo, só constatação
e amigo é só força de expressão

terra arrasada e pontes queimadas

a práxis
não está na Pravda
a verdade
está além das palavras

de regras cagadas enchemos pilhas
e mais pilhas de páginas
à mão e no ritmo das máquinas
de tratados e exemplos como a Bíblia,
mensagens, memes, jornais e tiras
                          e mais nossas próprias mentiras
                          ...proferidas na cara uns dos outros!
                          deixam na boca até um gosto


*antigo jornal da União Soviética

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

que nem o sol ando solito
faço um solo de assobio
(como pra lembrar que eu existo)
como o vento faz nos fios
dos alambrados, da rede elétrica
e onde quer que haja frestas
me transpasso por lugares arredios
atravesso pela vida incerta

eu corro a dez, Ela anda a mil
mas não fico num só lugar
que em algum dia já existiu
pois não há desejo de ficar
que resista à marcha universal,
nesse fenômeno essencial,
eu rumo pra onde possa chegar
e não para onde estava o lar

mesmo que das saudades me refaço
eu ainda assim me despedaço
feito um guapuruvu doente
mas também são passos os percalços
todo mundo, do mundo toma laço
que a ninguém fica indiferente

quinta-feira, 10 de junho de 2021

andar na Terra é andar no gume
de uma lâmina de liso corte
que na velocidade de seu lume
faz o limite entre vida-e-morte

ninguém passa por aqui impune
por mais que fôssemos inocentes
não creio que é isso o que nos une
(e acaso é unida a espécie gente?)
nem que iguale o ser humano
o mais perto disso é o depois,
onde até o tempo se foi
o fim é o que há de mais mundano...
e sua chegada ano após ano
que um pouco nos mata
por cada um que nos aparta
e os outros maltrata quando nos leva

no começo é estranho
a vida soa ingrata
por que ela dá pra deixar sem nada?
pois é isso o que ela nos reserva...

um sentimento de engano,
de nunca mais pisar a relva
de esperar que desça o pano
e a vilã nos envolva em sua treva
  

acontece que pessoas se desenlaçam
caminhos se desenrolam e assim avançam
um pouquinho mais fácil e mais alcançam
porque a sina do destino é ser fugaz...
há tempos tudo já deixou de ser lilás
mesmo depois que as pretas nuvens se esparsam
em cada coisa existe sempre um “mas”
e cada caso é especial, como todos os demais
dos que não se apagam enquanto ainda se passam

considera, amiga, nos deixar pra trás
considera, agora, buscar o que te apraz
categóricas brigas não vão haver mais
nessa hora vai se aplacar o que era quente
vai fundo encontrar a tua paz!
coisas boas nos aguardam, é seguir em frente
o que tá ruim vai acabar, o tempo é sagaz
e numa manhã inspirada decorada de corais
vai sentir que se curou tudo de repente

Praia de La Paloma

quarta-feira, 10 de março de 2021

payada do valor

já disse o sábio economista
que só tem preço o que é fruto
do trabalho e os produtos
gerados das coisas possuídas
mas eu vejo que ainda além
do portento da produção
o que põe preço também
é a carga em destruição
o karma das guerras por ambição
encruadas na riqueza dos bens

todos os diamantes são falsos
só valem o que foi combinado!
pra tornar a coisa mais fácil:
valem o que está no contrato
entre um homem e uma mulher
nada mais que vazio do status
brilham tanto quanto qualquer
caco de vidro ou cristal de quartzo
mas o quanto custam em sangue
saturado nos cofres do mundo?

o ouro conta seu peso em chumbo,
o envenenamento em mercúrio
das sangas, dos rios e dos mangues
onde eu bebo, mijo e mergulho
eu valho menos do que produzo
não valho nem essa água poluída
tão descartável quanto nossas vidas
irmão, eu já não fico confuso
somos úteis, mas também intrusos
que o diga minha saúde puída

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

somando risos ressoando pelos ares
sorrindo grande e cruzando os olhares
é o que surge onde nós estamos juntos
ajudando-nos a estar melhor no mundo

moça do riso frouxo e do olhar firme
eu bem sei que fiz essa escolha
mas desejar tua estima não tem que ser um crime
o vento vai virar a velha folha

ainda quero ser teu amigo
talvez como um inço num campo de trigo
de um sentimento que começou diferente

mas sem ti eu também prossigo
com minhas ausências e saudades comigo
se andar lado a lado não é mais pra a gente
 
então vê que não sou tão surpreendente
pra que assim ainda possamos estar próximos
mas se pra isso me achas pouco e que não posso
tudo bem, eu ainda sou um cara resiliente



cada rumo é sempre improvável
especialmente, irmão, o mais esperado
a cada começo que há no meio
mesmo o chão firme na vida é instável
cada novo passo muda o que foi dado
de nada vale sentir receio

e decidir parar não altera o grande fluxo
que empurra sempre pro passado o futuro
foi de um futuro que tudo veio
nessa matéria fluida, há de haver o que busco
a felicidade em seu modelo inseguro
ainda vou encontrar o veio

não existe uma estrada principal
que conduza tudo pelo mundo afora
cada êxito na existência é só parcial
o fim sempre vem antes da hora 
mas o que é justo não é mau