segunda-feira, 8 de agosto de 2022

(payada dos) caminhos

existe um fugitivo instante
na última brasa do poente
e do Hoje se perde o alcance
como se encerra uma prece
um sol feito de cobre desce
da tarde pra voltar ao ventre
da Mãe Terra qual fosse gente
que bota a gente pra pensar
voando com as coisas do ar
e em como tudo...   vai passar

e dessa inveja e admiração
que eu sinto dos passarinhos
voando livres entre os vãos
das árvores e dos edifícios
eu sossego nas canções da rádia
nesse cavalo sem rédeas
que minha história me tornou
na minha vida eu me instauro
eu sou ela e ela eu sou
mesclados que nem um centauro
é que eu não sou um dinossauro
e de fato, estou aqui e agora
mas nunca tive tempos áureos
só que eu é que não salto fora
e no piche dos asfaltos pretos
que é como o visgo dos pântanos
não sou eu quem aí me meto
mas encaro os caminhos tantos
tantos quantos eles vierem
e em que vou por seus revezes

a mudança é pra quem faz
o mundo precisa de socorro
pra não voltar aos males de atrás
e ainda ter que ouvir o choro
de poderosos de barriga cheia!
isso é o cúmulo da chiadeira
é o covarde falando grosso
o poste mijando no cachorro
pro mundo não ficar mais doente
tens que saber o que é ser valente:
anda junto ao tempo, não contra!
anda pues! a vida já é outra,
ainda bem, não é antigamente
até eu, que envelheço, já vi
quanto mais quem é um guri
que nem tu, tão inteligente
então quando por acaso encontras
algum conservador dessas afrontas
que nos atocham diariamente
não sê um desses delinquentes

...porque essa atual liberdade
que não conheceu teu ancestral
e teu avô e teu pai, mal-e-mal
e que a alguns ainda desagrade
...ela não foi feita das promessas!
e sobre essa desigualdade
que é um dogma tão radical
que não aceitam nem conversa
e que sempre foi assim e tiau
ora, não me venham com essa!
...pois o que lhes falta é hombridade!
dos que se adonam da verdade
com discurso e cara-de-pau
mas por mais que se lhes peça
com educação e honestidade
uma escuta, uma palavra
sobre o valor da liberdade
ou dão de ombros ou de pialo
não tem um que se salva
disposto a sequer escutá-lo

a tradição tem sempre dois lados
e a transformação é o esperado
pois do contrário é escravidão
e isso seria viver em vão
Então, guri...      cuidado!
não vai viver do lado errado
puxando maldades do passado
e virar um infame guardião
de velhos hábitos equivocados
pra que não veneres algum vilão
...então, guri, toma cuidado
quando alguém enche a boca
pra dizer que tua parte é pouca,
dizer que tem lugar marcado
cuida! ...com gente que se faz de louca
mas que suas cagadas não assume
cheia de rancor e azedume
pra se valer te dando bronca
invocando uns tals costumes
mas que tem cheiro de um curtume!

e seguimos que nem cardumes
tropilhas, revoadas, nuvens...
rumo a ideias, aos sonhos
que avivam naquela hora longe
onde o dia recolhe seu lume
e    o  sol    vai    se      pondo
além do arco do horizonte
partindo rápido mas devagar
como que deixando seu olhar
...e de novo a pensar me ponho...
         no quanto o mundo tem que melhorar!

 

 

*rádio

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Porque não vim da ilha, eu não sou manezinho, mas sim a minha filha,
dos meus olhos é o brilho, a manezinha da família, essa metade minha,
a quem canto estas linhas

Então o pai te conta
um pouquinho daqui ...e pra quem mais ouvir! ...e juntar essas pontas

Vivemos na cidade onde
a magia não se esconde
tem praia a dar com pau
água salgada, doce e suja
iluminada de sol e chuva
entre as Américas e o litoral
Na cidade há uma ponte
fincada no horizonte
de ferrugem e metal

Tem um centro velho
mas cada dia novo
em que às vezes me dissolvo
e me perco porque quero
A cidade é uma ponte
pra além destas ruas
tão afeitas às luas
a cidade é uma fonte
de gentes e de águas
serenas e agitadas

       ...e de uma história sangrenta – e agora que vem a melhor parte! ...pra quem quiser saber da verdade –
       história que às vezes esquenta
       e ter ganho o nome do tirano
       é mais um tiro a cada ano
       e pra desgraça de tudo isto
       esse nome lhe soa até bonito

       E noutra ironia e desatino
       um bando de piratas
      do tipo malditos
      que pega o povo e mata
      mataram junto o Velho
     assassino dos índios
     e pra atual sortilégio
     no brasão da Ilha estala
     sua figura tétrica
     hoje tem até estátua
     tá aí, trágica e concreta
     como se fosse lindo
     perpetrar o genocídio
     perpetuar um escravocrata
     ladrão e assassino


É a cidade da ponte
se avista ao longe
sobre o mar subtropical
que é nossa e habitual, passar nesse portal, passear, postar e ser esse impostor na sua rede social]

     essa gente já ajudou a eleger o istepô da esfera nacional!
     sei que foi por mal! nada é perfeito, pô! mas olha esse postal!


     É o que meio que estraga
     a sedução dessas águas
     um pouco do lado mau
     Mas sentir essa mágoa
     dá até uma recarga
     pra lhes falar a real,
     e botar no varal a alma lavada
     e elevar a moral ao som das palavras...
     que nem tudo é igual


*Floriano Peixoto **bandeirante Dias Velho ***Eleições 2018

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Vivemos tempos de incerteza
do lado errado do mundo
sob um sol de raios fúlgidos
fustigados de absurdos
frustrados com a torpeza
O egoísmo é a pobreza dos mais ricos
o moralismo é uma tara dos pudicos
nós temos que virar a mesa
vergonha alheia pagando mico:
vermes querem a volta dos milicos
seu lugar é no quartel e olhe lá!
roubaram e mataram e mataram pra roubar
o seu próprio povo e povos de outras terras
ameaças contra as massas, golpes e guerras
fardados e engomados e togados gatunos
fazem o mal fingindo consertar o mundo

Pelos inúmeros frontes que chamamos de fronteiras
são casamatas as aduanas e migraciones
onde classificam por meros passaportes os homens
e mercadorias perpassam livres – locais de feira
produtos vão e vêm mas não passam as pessoas
isso é tão bizarro, é cínico, que até me enjoa
pois parecem valer menos que qualquer contrabando
que fica retido mas muito bem acondicionado
com direito a abrigo, sombra, até a ar-condicionado
enquanto o ser humano é humilhado, tão se lixando
mas você não vê os vermes fascistas reclamando  
  


Fronteira é uma coisa que para a grana não existe:
ultrapassa territórios, ética: quaisquer limites
porém mudam de lado como tantas vezes    na História
arrastando vidas, sonhos, inocência    sem misericórdia
e refugiados são tratados como coisas secundárias
ou pior: como objetos ou peças meramente utilitárias
escudos humanos, escravos, prostitutas compulsórias
depois de perder casa, trabalho, entes queridos,
irmãs, irmãos, mães, pais, filhas, filhos, esposas, maridos
avós, avôs, tantos amigos... as alegrias de estar vivo
“cada hora me deprimo... e penso “pra quê eu sirvo?””

A maldade não dá um alívio
pros opressores é um vício
sua ganância aterroriza
A ignorância difundida
é    a   arma do vírus
A utopia é um arco-íris cor-de-cinza
mas assim mesmo longe a gente avista
enquanto paga com suplícios
nas vicissitudes as virtudes
são vacinas ao veneno que confunde
vamos todos cuidar de quem nos cuide

 Quanta provação um povo custa a se formar,

se reconhecer, redefinir e talvez a se amar?
...e um país a existir e a conhecer seus traumas?
...a viver em terra firme... em vez de afundar no magma?
palco de crimes... derretendo em sangue e lágrimas.

terça-feira, 29 de março de 2022

os incontáveis dias escorrem como contas
por um furo nesse saco de estopa
da carne que nos serve de roupa
...uma sangria a conta-gotas

qualquer biografia tá sempre no escopo
o que a gente quer é sempre tanto
os nossos amados, os sonhos, o trampo
e o tempo é sempre tão pouco

algo em mim flui, o pensamento me alaga
sabendo que tudo é só um sopro
o espírito se enche de uma carga
que enverga até o corpo

e com tal urgência cada coisa amarga
adquire um tom mais grave
mas um pouco mais suave
quando se aceita essa paga

é com todos assim, a contragosto que seja!
do todo é a parte mais constante
são fatos! nem tudo tem cereja
e nem tudo é reconfortante

terça-feira, 30 de novembro de 2021

preciso me descolar de mim
e deslizar nas ruas por aí
praticar esse autossocorro
pra focar e me distrair
no meu ato de caminhar
nesse espaço que percorro
me aparece uma esplanada
como uma clareira na mata
pra eu dominar com o olhar
e ocupar com meu corpo

eu a completo com minha cara
e o lugar então se significa
através de quem passa ou fica
numa imagem que se espalha
como eu numa forma urbana
misturada com a cidade-humana
que tem nosso sangue nas veias
em nosso sangue a grande aldeia

uma criatura que se espelha
esse lugar estaria em falta
sem a vida que o permeia
seria concreto morto
um tempo que se arrasta
num propósito torto

a natureza em si se basta
mas la città é um erro
se não tiver as ruas cheias
é o território do desterro
daquilo que se descarta
pouco mais que um terreno
de onde se quer sair correndo
como um homem de si mesmo


sou errante
sacola plástica bailando ao vento
delirante
lúcido em errados momentos

eu sou feito de espinhos
assim eu sou minha prisão
posso ser o seu vinho
mas não lhe posso ser o pão

eu fecho os caminhos que eu abro sozinho
sozinho

sou retórica
de alguém que não se aguenta
hipócrita
hipoclorito em água benta

faça o que eu digo, o resto é piada
escolhas eradas: fiz uma de cada
não é lei amigo, só constatação
e amigo é só força de expressão

terra arrasada e pontes queimadas

a práxis
não está na Pravda
a verdade
está além das palavras

de regras cagadas enchemos pilhas
e mais pilhas de páginas
à mão e no ritmo das máquinas
de tratados e exemplos como a Bíblia,
mensagens, memes, jornais e tiras
                          e mais nossas próprias mentiras
                          ...proferidas na cara uns dos outros!
                          deixam na boca até um gosto


*antigo jornal da União Soviética

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

que nem o sol ando solito
faço um solo de assobio
(como pra lembrar que eu existo)
como o vento faz nos fios
dos alambrados, da rede elétrica
e onde quer que haja frestas
me transpasso por lugares arredios
atravesso pela vida incerta

eu corro a dez, Ela anda a mil
mas não fico num só lugar
que em algum dia já existiu
pois não há desejo de ficar
que resista à marcha universal,
nesse fenômeno essencial,
eu rumo pra onde possa chegar
e não para onde estava o lar

mesmo que das saudades me refaço
eu ainda assim me despedaço
feito um guapuruvu doente
mas também são passos os percalços
todo mundo, do mundo toma laço
que a ninguém fica indiferente