sexta-feira, 24 de junho de 2022

Porque não vim da ilha, eu não sou manezinho, mas sim a minha filha,
dos meus olhos é o brilho, a manezinha da família, essa metade minha,
a quem canto estas linhas

Então o pai te conta
um pouquinho daqui ...e pra quem mais ouvir! ...e juntar essas pontas

Vivemos na cidade onde
a magia não se esconde
tem praia a dar com pau
água salgada, doce e suja
iluminada de sol e chuva
entre as Américas e o litoral
Na cidade há uma ponte
fincada no horizonte
de ferrugem e metal

Tem um centro velho
mas cada dia novo
em que às vezes me dissolvo
e me perco porque quero
A cidade é uma ponte
pra além destas ruas
tão afeitas às luas
a cidade é uma fonte
de gentes e de águas
serenas e agitadas

       ...e de uma história sangrenta – e agora que vem a melhor parte! ...pra quem quiser saber da verdade –
       história que às vezes esquenta
       e ter ganho o nome do tirano
       é mais um tiro a cada ano
       e pra desgraça de tudo isto
       esse nome lhe soa até bonito

       E noutra ironia e desatino
       um bando de piratas
      do tipo malditos
      que pega o povo e mata
      mataram junto o Velho
     assassino dos índios
     e pra atual sortilégio
     no brasão da Ilha estala
     sua figura tétrica
     hoje tem até estátua
     tá aí, trágica e concreta
     como se fosse lindo
     perpetrar o genocídio
     perpetuar um escravocrata
     ladrão e assassino


É a cidade da ponte
se avista ao longe
sobre o mar subtropical
que é nossa e habitual, passar nesse portal, passear, postar e ser esse impostor na sua rede social]

     essa gente já ajudou a eleger o istepô da esfera nacional!
     sei que foi por mal! nada é perfeito, pô! mas olha esse postal!


     É o que meio que estraga
     a sedução dessas águas
     um pouco do lado mau
     Mas sentir essa mágoa
     dá até uma recarga
     pra lhes falar a real,
     e botar no varal a alma lavada
     e elevar a moral ao som das palavras...
     que nem tudo é igual


*Floriano Peixoto **bandeirante Dias Velho ***Eleições 2018

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Vivemos tempos de incerteza
do lado errado do mundo
sob um sol de raios fúlgidos
fustigados de absurdos
frustrados com a torpeza
O egoísmo é a pobreza dos mais ricos
o moralismo é uma tara dos pudicos
nós temos que virar a mesa
vergonha alheia pagando mico:
vermes querem a volta dos milicos
seu lugar é no quartel e olhe lá!
roubaram e mataram e mataram pra roubar
o seu próprio povo e povos de outras terras
ameaças contra as massas, golpes e guerras
fardados e engomados e togados gatunos
fazem o mal fingindo consertar o mundo

Pelos inúmeros frontes que chamamos de fronteiras
são casamatas as aduanas e migraciones
onde classificam por meros passaportes os homens
e mercadorias perpassam livres – locais de feira
produtos vão e vêm mas não passam as pessoas
isso é tão bizarro, é cínico, que até me enjoa
pois parecem valer menos que qualquer contrabando
que fica retido mas muito bem acondicionado
com direito a abrigo, sombra, até a ar-condicionado
enquanto o ser humano é humilhado, tão se lixando
mas você não vê os vermes fascistas reclamando  
  


Fronteira é uma coisa que para a grana não existe:
ultrapassa territórios, ética: quaisquer limites
porém mudam de lado como tantas vezes    na História
arrastando vidas, sonhos, inocência    sem misericórdia
e refugiados são tratados como coisas secundárias
ou pior: como objetos ou peças meramente utilitárias
escudos humanos, escravos, prostitutas compulsórias
depois de perder casa, trabalho, entes queridos,
irmãs, irmãos, mães, pais, filhas, filhos, esposas, maridos
avós, avôs, tantos amigos... as alegrias de estar vivo
“cada hora me deprimo... e penso “pra quê eu sirvo?””

A maldade não dá um alívio
pros opressores é um vício
sua ganância aterroriza
A ignorância difundida
é    a   arma do vírus
A utopia é um arco-íris cor-de-cinza
mas assim mesmo longe a gente avista
enquanto paga com suplícios
nas vicissitudes as virtudes
são vacinas ao veneno que confunde
vamos todos cuidar de quem nos cuide

 Quanta provação um povo custa a se formar,

se reconhecer, redefinir e talvez a se amar?
...e um país a existir e a conhecer seus traumas?
...a viver em terra firme... em vez de afundar no magma?
palco de crimes... derretendo em sangue e lágrimas.

terça-feira, 29 de março de 2022

os incontáveis dias escorrem como contas
por um furo nesse saco de estopa
da carne que nos serve de roupa
...uma sangria a conta-gotas

qualquer biografia tá sempre no escopo
o que a gente quer é sempre tanto
os nossos amados, os sonhos, o trampo
e o tempo é sempre tão pouco

algo em mim flui, o pensamento me alaga
sabendo que tudo é só um sopro
o espírito se enche de uma carga
que enverga até o corpo

e com tal urgência cada coisa amarga
adquire um tom mais grave
mas um pouco mais suave
quando se aceita essa paga

é com todos assim, a contragosto que seja!
do todo é a parte mais constante
são fatos! nem tudo tem cereja
e nem tudo é reconfortante

terça-feira, 30 de novembro de 2021

preciso me descolar de mim
e deslizar nas ruas por aí
praticar esse autossocorro
pra focar e me distrair
no meu ato de caminhar
nesse espaço que percorro
me aparece uma esplanada
como uma clareira na mata
pra eu dominar com o olhar
e ocupar com meu corpo

eu a completo com minha cara
e o lugar então se significa
através de quem passa ou fica
numa imagem que se espalha
como eu numa forma urbana
misturada com a cidade-humana
que tem nosso sangue nas veias
em nosso sangue a grande aldeia

uma criatura que se espelha
esse lugar estaria em falta
sem a vida que o permeia
seria concreto morto
um tempo que se arrasta
num propósito torto

a natureza em si se basta
mas la città é um erro
se não tiver as ruas cheias
é o território do desterro
daquilo que se descarta
pouco mais que um terreno
de onde se quer sair correndo
como um homem de si mesmo


sou errante
sacola plástica bailando ao vento
delirante
lúcido em errados momentos

eu sou feito de espinhos
assim eu sou minha prisão
posso ser o seu vinho
mas não lhe posso ser o pão

eu fecho os caminhos que eu abro sozinho
sozinho

sou retórica
de alguém que não se aguenta
hipócrita
hipoclorito em água benta

faça o que eu digo, o resto é piada
escolhas eradas: fiz uma de cada
não é lei amigo, só constatação
e amigo é só força de expressão

terra arrasada e pontes queimadas

a práxis
não está na Pravda
a verdade
está além das palavras

de regras cagadas enchemos pilhas
e mais pilhas de páginas
à mão e no ritmo das máquinas
de tratados e exemplos como a Bíblia,
mensagens, memes, jornais e tiras
                          e mais nossas próprias mentiras
                          ...proferidas na cara uns dos outros!
                          deixam na boca até um gosto


*antigo jornal da União Soviética

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

que nem o sol ando solito
faço um solo de assobio
(como pra lembrar que eu existo)
como o vento faz nos fios
dos alambrados, da rede elétrica
e onde quer que haja frestas
me transpasso por lugares arredios
atravesso pela vida incerta

eu corro a dez, Ela anda a mil
mas não fico num só lugar
que em algum dia já existiu
pois não há desejo de ficar
que resista à marcha universal,
nesse fenômeno essencial,
eu rumo pra onde possa chegar
e não para onde estava o lar

mesmo que das saudades me refaço
eu ainda assim me despedaço
feito um guapuruvu doente
mas também são passos os percalços
todo mundo, do mundo toma laço
que a ninguém fica indiferente

quinta-feira, 10 de junho de 2021

andar na Terra é andar no gume
de uma lâmina de liso corte
que na velocidade de seu lume
faz o limite entre vida-e-morte

ninguém passa por aqui impune
por mais que fôssemos inocentes
não creio que é isso o que nos une
(e acaso é unida a espécie gente?)
nem que iguale o ser humano
o mais perto disso é o depois,
onde até o tempo se foi
o fim é o que há de mais mundano...
e sua chegada ano após ano
que um pouco nos mata
por cada um que nos aparta
e os outros maltrata quando nos leva

no começo é estranho
a vida soa ingrata
por que ela dá pra deixar sem nada?
pois é isso o que ela nos reserva...

um sentimento de engano,
de nunca mais pisar a relva
de esperar que desça o pano
e a vilã nos envolva em sua treva