sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

um acontecido

quem quiser que ouça
não é causo de valentia
de pelear com onça
antes eu até escondia...

mas achei que era até egoísmo
guardar comigo o acontecido
por isso que eu perdi o medo
imagina se ficassem em segredo
as descobertas,os eventos extraordinários
pensa se nunca nos tivessem falado
das aparições dos bichos raros
e do Espírito Santo e do que é sagrado

então eu faço em forma de verso
sem nunca ter feito, de vereda
porque se eu só contasse a tal feita
não iam me levar tanto a sério

e na verdade poucos me levam
por eu ser anciano até relevam
o causo incomum deste índio velho
que eu vivi e que eu mesmo revelo

mas sem render muitas histórias
só tenho pra contar esse mistério
de como ele chegou numa nave de prata
lá do céu como se fosse uma estrada

ela baixou numa clareira da mata
se acomodou que nem uma rocha
deitando em cima daquelas patas
com seu motor e farol como tochas

dali saiu um sujeito miúdo
de olhos grandes de gato no escuro
com jeito de quem conhece o futuro
sem dizer palavra, se lhe entendia tudo

no más, sem falar nem fazer gesto
pra matar a sede me pediu água pura
andei até a sanga que tinha perto
acompanhado a passo da criatura

e lá tinha um remanso
tomou água que se molhou
como pelo visto, se cansou
convidei ele pro meu rancho,

o vivente comunicou,“vai que eu sigo”
um quilômetro caminhou junto comigo
o outro, botei ele na garupa do ombro
depois que levou das pernas o segundo tombo

chegando, sentei ele já dormido
numa cadeira na varanda
eu sentei bem ali na outra,
daí fiquei tomando conta

tinha passado uma hora pelo jeito
quando abriu os olhos pretos
e já engatamos uma prosa
só que, como eu disse, silenciosa


me contou da sua terra
e também das suas técnicas
conversamos das guerras
concordei que têm solução
mas tem os que não querem
uns, que a paz não preferem
por alguma indizível razão
e nisso tudo fechamos questão


e assim se fez a amizade
em coisa de uma tarde
foi ali num final de mês de setembro
começando a primavera, eu me lembro

se despediu sem um aperto de mãos
mas, estranho! pareceu até que era
um forte abraço de quebrar costela
entre dois velhos irmãos

de noite se foi no meio de um capão

saiu do alto do arvoredo, uma centelha
foi subindo, se mesclando com o fundão
senti o silêncio no final de uma canção

e deixou atrás dele a alvorada, sem vê-la 

eu também duvidava se não...
se não me deixasse este medalhão
gravado um Centauro e no reverso uma estrela

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